Escrito por: Pedro Rubens
Em uma de suas letras mais sensíveis, como ouso dizer, Liniker nos relata um pouco da sua infância através de um sonho. Lalange conta a história de, quando já adulta, voltou à creche onde passou seus dias de criança e procurava a si mesma entre as crianças que estavam presentes no ambiente. O reconhecimento das professoras, vendo a si como uma grande e linda mulher, fez-se notório no decorrer do sonho que induz ser ela uma criança que queria voar.
A segunda temporada de Manhãs de Setembro segue exatamente do ponto de encerramento do ano anterior. Aprofundando a história de Cassandra sem medo de mostrar suas entranhas, a série não economiza tempo na hora de mostrar uma realidade muito próxima de todos nós.
Levar a protagonista para a cidadezinha do interior e inseri-la no centro de um baú de emoções é a prova disso. O roteiro avança sem poupar detalhes sobre a infância e adolescência da personagem vivida por Liniker, que viu sua mãe ir embora, seu pai readaptando a vida para conseguir criá-la, bem como seu processo de descoberta e compreensão sobre ser uma mulher.
Adicionar Seu Jorge e Samantha Schmütz ao elenco é de um acerto inigualável. Se despindo de todo estereótipo de casca grossa ou do gênero de comédia, ambos conseguem carregar o peso de uma família simples, do interior, cheias de conceitos e padrões que são confrontados, reavaliados e modificados. Inclusive, preciso confessar que as cenas das despedidas me fizeram chorar por muito tempo…
Talvez de forma desproposital, mas Manhãs de Setembro emerge para mostrar visualmente aquilo que por inúmeras vezes só ouvimos falar. Afinal a série entrelaça sua história com aquela contada em Lalange e entrega uma narrativa periférica, sobre uma mulher trans, negra e que precisa encarar todos os medos, traumas, ansiedades, dores e angústias da vida.
A voz de Vanuza se faz presente durante os seis episódios mas desta feita assume um papel relativamente diferente. Aqui vemos mais ênfase, praticidade e doses de uma realidade sendo apresentadas de forma ácida, de tal forma que a voz na consciência que narra a história da protagonista na primeira temporada agora é apenas coadjuvante da história escrita pela própria Cassandra.
Ouso dizer que, talvez, a melhor coisa desse segundo ano de Manhãs de Setembro seja a capacidade de endossar e outorgar diversos temas já levantados, enquanto aprofunda de forma sólida e sensível a narrativa de absolutamente todos os personagens.
Se você gostaria de ver mais da história de Cassandra, a segunda temporada lhe dá! Mas quer ver mais de Gersinho, Leide e Ivaldo? Aqui você tem. Deseja conhecer mais sobre Roberta e as amigas da protagonista? Você conhecerá. Aristides e Décio? Deixam de ser meros coadjuvantes e engrenam um arco extremamente dramático e pesado, mas cuidadosamente elaborado.
Aqui não há espaço para medo. Aquele menino que, como canta Liniker, “chorando queria voar” já não chora, e se o faz é de alegria. O que antes era um sonho e ainda doía, hoje é aprendizado e ânimo para gritar livremente sobre vida, força e respeito.
Manhãs de Setembro proporciona um espetáculo dentro da selva de pedras ao contar uma história delicada, sensível e entrelaçada naquilo que é palpável. Vida longa a todas as Cassandras do Brasil!
Nota: 8.75