Crítica - The Bear - 3ª Temporada

Escrita por: Pedro Rubens

Esse texto possui spoilers sobre alguns dos eventos da nova temporada.

Dentro da mitologia grega, Caos é a personificação da matéria indefinida e desorganizada, onde os elementos encontravam-se dispersos. Ao mesmo tempo, criou espontaneamente, e é tido como o pai dos deuses da Noite, Escuridão e Terra. Para além do mito, na vida ordinária o caos se faz presente e, nem sempre, visto com bons olhos. Porém, em dado momento, quando a confusão de aquieta, percebemos como o pandemônio de outrora é, na verdade, a melhor opção.

A terceira temporada de The Bear, série do Hulu, inicia-se a partir do momento da inauguração do restaurante que dá nome à produção. Agora, Carmy, Sidney, Richie e sua turma se aventuram na alta culinária e com todas as desventuras que esse universo pode proporcionar àqueles que decidem dedicar-se a ele.Tendo como fio condutor das duas primeiras temporadas o caos instaurado dentro das quatro paredes, e da vida dos protagonistas, a nova temporada inicia-se com um episódio indo para o extremo oposto. Enquanto uma trilha sonora calma, serena e poderosa dita a aura do retorno, visitamos o passado e outorgamos toda a caminhada do protagonista para chegar até ali. A tradicional anarquia da série estava velada e consumada em cenas quase angelicais.

Porém, um episódio foi o suficiente para provar que aquele não é o habitat natural de The Bear, que volta às origens e o compasso da temporada segue seu rumo normal a partir do segundo episódio. Aqui, a produção lança o público de paraquedas em meio a agitada cozinha dos Chefs Carmy (Jeremy Allen White) e Sydney (Ayo Edebiri), que lidam para equilibrar suas formas de liderança completamente distintas dentro daquele ambiente.

A luta para manter a austeridade na cozinha é trabalhada não apenas por diálogos, mas também pela linguagem não verbal, traduzida por atuações espetaculares de todos que compõem as cenas. A repetição de comandos, bem como os “yes, chef!”, corroboram a ideia de um ambiente operado pelo caos em busca da harmonia. É a antítese que segmenta e conduz tudo por aqui.

Nesse ponto, o herdeiro do restaurante The Bear toma a decisão que muda e dita todo o enredo do terceiro ano: estabelecer um novo padrão dentro daquele que é o seu ambiente de trabalho. Talvez, essa tenha sido uma ideia sinestésica para aplicar no roteiro aquilo que o personagem faria através dos seus pratos: estimular todas as sensações possíveis ao espectador.

A sinestesia aplicada ao texto funciona de diversas maneiras, mas sempre com aquele senso de que poderia ir além. Do desenvolvimento da paternidade de Richie (Ebon Moss-Bachrach) à busca de inspiração para a produção dos doces de Marcus (L-Boy), a argumentação, em alguns momentos, não se prolonga ao ponto de chegar ao ápice.

Por outro lado, ao se aventurar por novos mares, The Bear talvez tenha feito sua temporada menos “The Bear” possível - e isso está longe de ser um ponto negativo. Não apenas por ter reduzido a tensão caótica, por investir em novas pequenas narrativas, aparentemente desconexas do arco principal, mas que ajudam no processo de desenvolvimento de personagens. Um exemplo disso é a inserção de tecnologia como método organizacional no processo de produção. Essas pequenas abordagens fazem malabarismo na linha tênue que existe entre o desnecessário e o essencial.

Como nas temporadas anteriores, a produção investe em episódios que revisitam o passado. No novo ano, naquele que tem tudo para ser o mais marcante, conhecemos a história de Tina (Liza Colón-Zayas). Por 34 minutos degustamos da mais alta culinária ao se deliciar numa história agridoce sobre uma mulher que, no ápice da sua vida, sai em busca de emprego para apaziguar sua trajetória, mas encontra tudo isso no caos de um restaurante de esquina.

A direção da Ayo Edebiri atrelada à capacidade criativa e de construção de narrativa vista aqui é, de longe, uma das melhores coisas que a série já fez. Não há como passar por esse episódio, bem como pelas atuações brilhantes de Liza e sua interação com Jon Bernthal - tendo aqui sua melhor entrega no show - e sair da mesma forma. É visceral. É vida real!

Entretanto, fica nítido todos os riscos assumidos pela equipe por trás do show. Em um episódio completamente fora do ambiente gastronômico e imerso em um hospital, acompanhando um parto e trazendo à mesa o debate sobre família, traumas, maternidade e suas consequências, The Bear prova para todos - inclusive para si - que sua história está para além das quatro paredes de um restaurante. O seu enredo é sobre pessoas e o retorno de Jamie Lee Curtis, Olivia Colman e Will Poulter, em seus respectivos núcleos, comprovam isso.

E para falar sobre gente, o show se utiliza de alegorias que servem tanto para o restaurante que dá nome à série quanto para os protagonistas. A aposentadoria de uma grande chef e o encerramento das atividades do seu ambiente de trabalho é a prova disso. Encarar o fechamento de um empreendimento como uma metáfora sobre a vida é daquelas sacadas que poucos se atrevem a fazer.

The Bear encerra seu terceiro ano abrindo as portas para novas narrativas que podem ditar as regras da quarta temporada: seja a proposta de emprego da Chef Sydney, os desentendimentos entre Carmy e Richie ou a falta de investimento para o restaurante. Porém, em seu episódio final, a série entrega uma cena que pode até ter passado despercebido por muitos, mas que é de extremo significado.

Em meio à comemoração e celebração da vida, carreira e amizade dos personagens, embalada pela música LAID, de James, a produção nos leva à reflexão daquilo que a letra tanto fala. Nossas obsessões algumas vezes são reflexos daquilo que nos complementam, logo, seguirão conosco durante a caminhada. Mas até que ponto estamos dispostos a correr atrás daquilo que preenche nossos corações?

Numa aventura caótica, The Bear aprova o uso - e abuso - da sinestesia para criar uma nova aura para si. Ainda que haja alguns percalços no caminho, a sua essência se mantém intacta e ainda conseguimos enxergar a beleza existente em meio ao caos e que, muitas vezes, não existe em meio à tranquilidade. Se a mitologia nos diz que o Caos criou a Terra, que saibamos apreciar o belo caos que é inerente à vida.

Nota: 8,95