Escrita por: Pedro Rubens
Esse texto possui spoilers sobre alguns dos eventos da nova temporada.
Gore, ou splatter, é um subgênero de terror que surge no cinema, porém posteriormente abraçado por todo o audiovisual. A sua característica básica é a presença de cenas muito violentas e sangrentas a partir da representação gráfica de sangue e violência. O contraponto é a existência de uma história que justifique a presença de tal efeito, e não o contrário.
Nas últimas semanas, a quarta temporada de The Boys chegou ao fim e nos coloca diante das consequências do ano anterior: o julgamento do Homelander, as consequências das ações do grupo de mocinhos, os planos da Vought e a mercantilização da sociedade. A nova leva de episódios apresenta um mundo cada vez mais próximo da realidade e questiona inúmeras coisas, seja dentro ou fora da tela.
É certo que não existe apenas a estrutura de contação de história em três atos. Basta fazer uma pequena pesquisa na internet e você encontra inúmeras outras possibilidades, seja no ocidente ou oriente. Independente da mecânica utilizada, sempre há um enredo sendo contado e avançando para chegar ao destino final. Aqui não é bem assim que as coisas funcionam.
O quarto ano de The Boys continua acompanhando as aventuras do grupo de “mocinhos”, que se colocam à disposição de qualquer coisa para desbancar Homelander (Antony Starr) e a Vought. O problema é que o “colocar-se à disposição” – muitas vezes – não passa de uma estagnação de roteiro.
Ao mostrar a história pelo ponto de vista de Butcher (Karl Urban), conhecemos as consequências da sua investida em beber o Composto V. Se por um lado seus poderes desenvolveram-se, por outro, alucinações e visões de um velho amigo se fizeram presentes. Talvez, essa seja uma alegoria para mostrar personificações dele, tomando as decisões que o próprio gostaria de tomar, mas que precisaria vasculhar em pontos mais distantes da sua memória. Assim, a partir do estímulo advindo do medicamento criado pela Vought, as decisões são facilitadas – mesmo que por meio de “amigos imaginários”.
Quando o prisma se vira para o núcleo de Starlight (Erin Moriarty), em pouco tempo tudo é resolvido. A farsa criada por Sister Sage (Susan Heyward), nova personagem que foi – de longe – uma das coisas boas da temporada, dá certo e aquela que era a mocinha, agora passa a ser vista como uma bárbara, sanguinária e assassina. Enquanto afunda no poço causado por tal plano, a heroína ainda leva seus amigos que compõem o grupo para uma teia de intrigas, mentiras e inúmeros questionamentos sobre o que estão fazendo.
Por outro lado, Homelander, agora com sua persona de “salvador da pátria”, utiliza-se – como sempre – de tal alcunha para fazer o que bem quer, e tal lista vai do leite materno à queima de arquivo dentro da Vought. Para ele, tudo é muito fácil. Não há dificuldade, não há absolutamente nada nem ninguém que seja capaz de pará-lo. Até que sua ideia de usar seu próprio filho, Ryan (Cameron Crovetti), como uma marionete e há uma reviravolta que apresenta ao público aquele que, talvez, seja o único capaz de parar o grande detentor da verdade e da supremacia estadunidense – dentro da série.
A questão é que The Boys parece sofrer com a incapacidade de avançar na narrativa e, por isso, utiliza-se de cenas de extrema violência – o famoso gore – como metodologia para segurar o espectador. Ainda que essa faceta tenha sido apresentada desde a primeira temporada, aqui há um exagero absurdo, que beira a insensatez. Enquanto há excesso de sangue, braços sendo arrancados, cabeças voando e até teias de aranha saindo por lugares inimagináveis, falta história. Por muitas vezes, os episódios deixavam a sensação de que não tinha o que falar, mas precisava preencher tempo de tela. Então, nada melhor do que sangue e violência gratuita.
O entrelaçamento de personagens com quase nenhuma construção outorga a ausência de desenvolvimento e uma paralisação da história, entregando cenas que parecem soltas no modo aleatório. Alguns exemplos disso são Victoria Neuman (Claudia Doumit) e Stan Edgar (Giancarlo Esposito) se aproximando do grupo de mocinhos ou até a relação inusitada entre A-Train (Jessie Usher) e Ashley Barrett (Colby Minifie).
A maneira como The Boys apresenta, por exemplo, as motivações por trás de cada núcleo é diminuto. Constantemente, o desenrolar de tais acontecimentos é dado com diálogos fracos,pra não dizer vazios, que compõem novos subplots mal fundamentados ocasionando em desenvolvimentos “meia boca” e consequências abruptas, exigindo do público acatar as decisões dos roteiristas, mesmo que sejam questionáveis.
Enquanto foca em nesses – desastrosos – “novos rumos”, a série perde a chance de aprofundar-se em personagens que, por inúmeras vezes, são muito mais cativantes do que alguns dos protagonistas. É o caso de Kimiko (Karen Fukuhara) e French (Tomer Capone). Eles são jogados de um lado para outro, se perdendo entre núcleos e personagens, ganhando leves pinceladas sobre si, seus respectivos passados e personalidades.
É nítido que há uma certa intenção de fazer as coisas darem certo. Afinal, essa é uma das produções mais rentáveis do Prime Vídeo - quiçá a maior. O final da temporada proporciona episódios que fazem o que deveriam ter feito desde sempre: alimentam o público com história, respostas e novos rumos ao passo que equilibram com cenas de ação bem coreografadas e visualmente incríveis.
Ao chegar no seu último ato, a quarta temporada de faz aquilo que já vem fazendo desde o início: mocinhos sem êxito e apostando suas fichas em novos planos, enquanto a maior ameaça é encarada como o maior de todos os heróis. Esse desfecho já é conhecido por todos os que assistem a série desde seu primeiro ano e repeti-lo, pelo menos aqui, na iminência do seu último ano, é um alívio porque convence de que algo vai – e precisa – acontecer para resolver a situação.
The Boys está muito longe de ser uma produção ruim, mas peca por não saber deixar a balança equilibrada e sustentar uma temporada quase toda apenas com sangue e violência. Essa já é uma daquelas séries que claramente se propõe a metaforizar o mundo real, e o faz com maestria, quando decide seguir a narrativa e contar uma história ao invés de investir em jogar sangue na tela e achar que essa é uma ótima ideia.
Nota: 7,56