Escrita por: Amanda Kassis
‘House of the Dragon’ chega para finalizar a sua aguardada 2ª temporada. Considerado pelos fãs e pela crítica especializada, de acordo com IMDb, como o segundo pior episódio já produzido, o que se pode tirar de positivo? E quais foram os principais erros do spin-off de ‘Game of Thrones’?
‘A Rainha que Sempre Foi’ finalmente apresenta Essos, onde os líderes da Triarquia se reúnem com Lorde Lannister (Jefferson Hall) na expectativa de firmar uma aliança lucrativa em troca de acabarem com o bloqueio marítimo imposto por Rhaenyra (Emma D’Arcy) e trazer comida de volta a Pouso Real. O tratamento das imagens com o filtro amarelado, comumente usado para representar países latinos e desertos, é um erro já conhecido da série-mãe, mas talvez seja o aspecto menos frustrante do plot. Idealizado como um momento de descontração, o problema recai sobre a absoluta falta de carisma do personagem de Hall, que deveria ter sido introduzido muito antes para gerar algum interesse do público. Mesmo assim, suas cenas são completamente esquecíveis em meio às outras histórias que a season finale busca encerrar ou aprofundar.
De volta a Westeros, a fortaleza de Ponta Aguda, próximo à Pedra do Dragão e leal aos Pretos, sofre as consequências do medo e da fúria de Aemond (Ewan Mitchell). Sendo um dos personagens mais imprevisíveis na trama, tem sido interessante testemunhar a primeira vez que o príncipe regente está em desvantagem desde que domou Vhagar e, agora, vê o momentum dos Verdes escorrendo entre seus dedos. Falando nisso, a frase de Lorde Strong (Matthew Needham) “deixe que seu irmão e a pretendente destruam-se em sangue e amargura” encapsula o cenário atual da Dança.
Sentindo a vida ameaçada e com esperança de que Aemond seja morto pelos dragões do inimigo, Larys diz a Aegon (Tom Glynn-Carney) que eles precisam fugir para Braavos, em Essos, onde a fortuna de sua família está escondida. Aemond quer matar o irmão, o rei-usurpador quer prendê-lo, mas sem Vhagar a luta seria perdida. Nessa cena, o roteiro também sugere uma grande mudança em relação à obra original: Sunfyre estaria morto ao invés de gravemente ferido. Como isso afetará um dos principais momentos da Dança? Seria uma mentira inventada pelo regente para desencorajá-lo?
Longe dali, em Harrenhal, Sir Alfred (Jamie Kenna) chega a mando da rainha para verificar a quem pertence a lealdade de Daemon (Matt Smith). Mais uma vez, a série aborda como Rhaenyra é vista aos olhos de seus próprios aliados, algo também vivenciado por Alicent (Olivia Cooke), sendo mulher antes de herdeira, e o emissário questiona se o rei-consorte não gostaria de lutar por seu próprio lugar no Trono de Ferro. O teor perigoso da conversa é ouvido por Sir Simon Strong (Simon Beale) – personagem que conquistou as redes sociais desde sua primeira aparição – que, mais tarde, indiretamente se torna responsável pelo reencontro do power couple Targaryen.
Já na Fortaleza Vermelha, Aemond ordena que Helaena (Phia Saban) voe com Dreamfyre para o campo de batalha, afirmando que não é somente pela Coroa, mas por suas próprias vidas. O irmão mais novo sabe da fragilidade da irmã e, ao contrário do livro, a personagem não exibe interesse em dragões, focando sua narrativa mais em seus poderes sobrenaturais. A brutalidade não condizente com comportamentos anteriores do príncipe em relação a ela pode ser uma forma de mostrar o desespero dele ou uma total contradição do roteiro. De qualquer forma, a violência contra a pessoa mais inocente dos Verdes é a gota d’água para Alicent, que diz que o custo é alto demais e não quer que sua família sobreviva assim.
Ela não é a única personagem passando por auto-reflexão. Para a alegria de, francamente, ninguém, Sir Cole (Fabien Frankel) retorna para uma pequena aparição e entrega seu único momento de lucidez da temporada: “os dragões dançam e os homens são como poeiras sob suas patas”. Após os acontecimentos do 4º episódio, marcado pela batalha de Pouso de Gralha, o amante da rainha já havia dito que eles haviam entregue a guerra às criaturas. Agora, com tantos dragões novos dispostos no tabuleiro, o nível de destruição que a Dança causará é imensurável.
É por volta da metade da season finale que os rumos da narrativa se tornam mais interessantes. Daemon tem a visão da Canção de Gelo e Fogo, que confirma Daenerys (Emilia Clarke), protagonista de ‘Game of Thrones’, como o príncipe prometido. Pelas veias dela corre o sangue de Rhaenyra, que é vista sentada no Trono de Ferro. Ainda, Helaena está presente dentro da visão, se mostrando mais poderosa do que uma sonhadora com premonições, sendo capaz de sonhos proféticos como os videntes verdes. O rei-consorte vê a própria morte, mas a revelação lhe traz propósito ao invés de desespero: a sua lealdade pertence à esposa-rainha.
Todo o desnecessário plot de terapia alternativa serviu para confirmar aquilo que a audiência já sabia: Daemon é leal. Entretanto, esse destaque ao teor sobrenatural da história gera questões sobre como isso impactará o futuro da produção. Por exemplo, qual será o papel de Helaena em tudo isso? Em contraste, quem também descobre seu destino sangrento é Aemond, mas ele recebe as palavras de sua irmã com ceticismo e um sentimento de traição. Ele quer ser um herói, tem sede por poder, glória e atenção, mas está completamente sozinho em uma luta que não começou.
Um último retorno a Harrenhal serve para mostrar o reencontro o mais aguardado da temporada. Testemunhar D’Arcy e Smith contracenando é sempre um prazer, principalmente quando encerra de vez as dúvidas que pairavam sobre a relação de seus personagens ao longo dessa fase. O maior guerreiro de Rhaenyra jura lealdade a ela em frente a milhares de homens, restaurando a relação turbulenta e promovendo um dos melhores momentos para os Pretos. Eles têm um exército de dragões e um vasto número de soldados leais, enquanto os Verdes se destroem por dentro.
O episódio também culmina na lavagem de roupa suja entre pai e filho. Após diversos momentos em Driftmark repletos de atrito, Alyn (Abubakar Salim) não suporta mais o nó na sua garganta e coloca pra fora uma vida inteira de ressentimento. Afinal, Corlys começou dar atenção e valor à família por ter perdido todo o resto, desde os filhos legítimos à esposa, mas já é tarde demais. O momento bem executado por Salim soletra o porquê dele não querer ajuda. Se os dois sobreviverem à guerra, não há perspectiva de que terão uma relação diferente.
O último acerto de contas do episódio é entre Alicent e Rhaenyra. Em uma jornada de auto-piedade e descobrimento, a matriarca dos Verdes busca libertação sem sacrifício, porém é lembrada de que isso não é possível. O custo de parar aquilo que ela começou é a vida de Aegon, um filho por um filho. Subjugada por quem ama e vilanizada pela história, a personagem de Cooke percebe que não pode mais fugir das consequências de suas próprias ações. Ela jura à amiga de infância que dará um fim a tudo isso e, em três dias, a herdeira poderá ascender ao Trono. No fim, ‘House of the Dragon’ é uma guerra travada por homens, mas são essas duas mulheres que realmente ditam o ritmo dela.
Enquanto a paz é negociada na escuridão, a luz do dia traz uma sequência final de preparação. Ambos os lados reuniram seus aliados e marcham em direção a um confronto que não pode ser parado. Vidas serão perdidas de qualquer forma. Seja em Pouso Real, Harrenhal ou nas águas da Goela. Aegon se foi, Otto faz uma aparição inesperada em apuros, e dois novos dragões também se preparam para a Dança, os aguardados Tessarion e Sheepstealer. A 2ª temporada termina com uma promessa de fogo e sangue, mas não passa disso: uma promessa.
Se a 1ª temporada foi sobre família e poder, os novos episódios trouxeram política e traição. ‘House of the Dragon’ entregou uma produção de alto nível, um elenco bem escolhido e caracterizado – sendo visível a diferença em investimento nos figurinos e na grandiosidade dos cenários em relação ao ano anterior. Ainda nos pontos positivos, a narrativa aprofundou em alguns de seus personagens mais intrigantes, como o grande vilão Aemond – atualmente o mais interessante de todos aqui – a sobrevivente Mysaria, a enigmática Helaena e a potente Rhaenyra, que finalmente está tomando a frente do próprio destino. Sem dúvida, o clímax da narrativa aconteceu durante o inesquecível episódio “O Dragão Vermelho e Dourado”, previamente intitulado “Uma Dança de Dragões”, quando a série mostrou-se como uma das maiores produções da década, promovendo uma verdadeira dança nos céus e mostrando a qualidade que pode e sabe produzir.
Talvez esteja aí o seu irônico erro: ter entregue algo tão impactante no momento certo e, depois, optar por arrastar a segunda metade da temporada ao invés de aproveitar seu momentum. Nem todo o episódio precisa ser sobre sangue e fogo, a principal característica da saga é muito mais sobre o jogo político em si, mas é inegável a sensação de que esse episódio seria ideal para a abertura de uma nova temporada ao invés de uma season finale. De fato, a chuva de críticas a qual a série foi submetida nos últimos dias teria sido completamente evitada se tivessem optado por encerrar o ano em seu sétimo episódio. É interessante que, originalmente, o plano da HBO era manter a nova temporada com dez episódios, porém, em março de 2023, o Deadline revelou que a reescrita de parte dos roteiros diminuiu para oito. A decisão de segurar parte da trama, a Batalha da Goela e sua repercussão, provavelmente por sua grandiosidade de produção e execução, contribuiu para esse final morno. Ou seja, é realmente uma questão de planejamento mal-executada não somente uma, mas duas vezes.
A produção ainda cometeu outros erros: abandonou Daemon às traças em Harrenhal, descaracterizou Alicent para libertá-la de algo que ela começou, desmantelou os Verdes cedo demais, insistiu em dar destaque a um personagem tão detestado quanto o Cole às custas do aprofundamento de personagens mais relevantes, e colocou os Pretos com uma vantagem tão palpável que fica difícil saber como algo poderia dar errado.
O fechar das cortinas até 2026 e a confirmação de que a aventura de ‘House of the Dragon’ já está na metade é a chance dos roteiristas corrigirem o ritmo da narrativa e servirem o prato principal, a Dança, ao invés de apenas entradas – o que parece uma analogia cabível em uma narrativa que terminou a temporada com a promessa da maior batalha marítima da história de Westeros para acabar com a fome em Pouso Real. Afinal, não é só o povo que está com fome, mas a audiência também.
Onde assistir? As duas temporadas já estão disponíveis na Max. ‘House of the Dragon’ está renovada para 3ª e 4ª temporadas.
Nota: 8.25