Esse texto possui spoilers sobre o novo episódio.
Escrito por: Pedro Rubens
Dentro da produção audiovisual, é recorrente a utilização de argumentos no processo de venda das ideias. A capacidade argumentativa de um produtor ou roteirista é o que vai fazer aquela obra ter, ou não, investimento para produção. Muitas vezes, esse argumento é único e fundamenta a obra. or outras, ele se mantém fixo, porém com o acréscimo de outros “microargumentos” no decorrer da trama. Esse é o caso de Dope Thief, que se fundamenta em um roubo que deu errado e acabou enviesando toda a trajetória de Ray e Many.
Os minutos iniciais do terceiro episódio da produção já levam o espectador ao susto quando Ray acorda de um pesadelo, com mesclas de flashback, onde está procurando seu parceiro de crime. Por não saber onde encontrá-lo, vai ao encontro de Son e precisa encarar a realidade sobre tudo o que tem acontecido e a sua preocupação com todos ao seu redor: aquelas são as suas escolhas, ao passo que cada um tem a sua.
Nesse ponto, o episódio volta no tempo para o dia anterior, quando o protagonista visita a loka de Malik (Johnath Davis). O local é uma espécie de antigo ponto de encontro do proprietário com Many, seu amigo, que fica preocupado por não saber onde ele se encontra — principalmente, após ter gastado mais de 10 mil dólares na noite anterior enquanto estava drogado. Em meio a questionamentos e reclamações, Ray descobre que seu companheiro comprou uma arma e deduz que fugirá do país.
Durante a busca pelo amigo, o personagem vivido brilhantemente pelo Brian Tyree Henry precisa encarar uma crise de ansiedade enquanto seu telefone toca descontroladamente. A construção desse momento acertou em cheio ao criar um ambiente tão hostil quanto na vida real. Ao passo que sua mãe está ao telefone e ele precisa mentir sobre sua situação, segue vasculhando a casa abandonada de Many e termina encontrando um anel que seria destinado para o noivado do seu parceiro com sua amada.
Nesse turbilhão, o enterro do policial Jack Cross, agente do DEA, gera inúmeras homenagens. Porém, é neste ínterim que Mina, a sobrevivente do ataque do primeiro episódio, procura o detetive e responde a algumas das suas inúmeras perguntas. Talvez, a mais importante seja o nome de quem está por trás de todo esse cartel: A Aliança. Assim, diante de uma denúncia de um furgão incendiado, o detetive recebe fotos da placa que foi encontrada em meio ao rio e, quando cruzam as informações chegam à Jerome (J.P. Darang), nome por trás da arma encontrada durante as investigações.
Quando a série volta-se para Ray, ele decide contradizer o pedido de Son e liga para seu “tutor” por uma última vez. Em um diálogo extremamente afiado e rebuscado, o protagonista precisa encarar os fatos a partir de uma fala entrecortada, mas severa, pelo telefone que diz que “nós protegemos aquilo que amamos”. Aqui, entendemos perfeitamente qual o argumento que costura o episódio e tudo passa a fazer ainda mais sentido, de tal forma que finaliza a chamada questionando se sua vida não passa de um grande esquema.
Assim, toda a construção do episódio, que muitas vezes pode ter feito com que o espectador se questione acerca das ações de Ray, torna-se compreensível. Ele protege os seus porque os ama, por isso não abre mão de defendê-los. Por outro lado, passa a compreender que sua vida é muito além de uma peça de tabuleiro sendo arrastada de um lado para o outro.
Como o cerco está — aparentemente — se fechando, Ray precisa proteger Theresa, que volta de Atlantic City, e descobre que Many estava se escondendo no porão de sua casa. Como distração para tirá-lo de lá, usa a justificativa de que ele e sua mãe precisam visitar seu pai que foi esfaqueado na prisão — sem saber que isso nada mais é do que uma isca da Aliança para atraí-lo.
Isca posta e fisgada. Ray segue para a prisão e se depara com uma avalanche de motoqueiros que rondam o bar em que ele e a advogada Michelle conversam sobre as questões iniciadas no final do capítulo anterior e sobre como fugirão deste local — e dos motoqueiros. A metalinguagem aplicada aqui é fenomenal!
Por fim, em meio ao medo, à angústia e aos assombros, o protagonista consegue desvencilhar-se e confronta seu pai. Ao fim da visita, revela que ao sair dali será alvejado, colocando uma culpa sobre o patriarca por ainda guardar segredos sobre o cartel vigente na região. Com uma despedida emocionante e tentando proteger aquela que ama, Ray abraça sua mãe como se fosse a última vez e deixa-a sozinha conferindo os objetos que foram retidos, guardando-a de lhe ver sendo assassinado.
Os minutos finais são uma mescla perfeita de apreensão, quando policiais chegam para investigar uma denúncia aos motoqueiros que estavam aos montes ali, ao passo que proporcionam um diálogo assustadoramente engraçado, enquanto a dupla precisa lidar com a futura esposa desesperada pelo sumiço de Many. Entre gritos, lágrimas e um espumante para festejar, a alegria chega ao fim quando a cabeça de Malik é entregue como recado caso não haja devolução da mercadoria roubada.
A fundamentação teórica e argumentativa de Dope Thief é fantástica. Não há brechas no que diz respeito aos argumentos utilizados na construção dos personagens, cenários e história. Em um mundo onde tantas séries rasas existem, é um frescor acompanhar algo tão bem alicerçado.
Nota: 9,0