Exibido em: 04-Abr-2024
Ultima edição: Wallace Fernandes | Editar minissinopse |
“Passou para o quarto de Dickie e ficou andando de lá para cá por alguns momentos, as mãos enfiadas nos bolsos. Imaginava quando Dickie voltaria. Ou será que demoraria a tarde toda com Marge, dormindo com ela? Abriu a porta do armário do Dickie violentamente e olhou dentro. Descobriu um terno cinzento recém-passado, com aparência de novo, que nunca vira Dickie usar. Tirou suas bermudas e vestiu a calça de flanela cinza. Calçou um par de sapatos de Dickie. Em seguida, abriu a última gaveta da cômoda e apanhou uma camisa limpa listrada de branco e azul.
Escolheu uma gravata de seda azul-escura e deu o nó com cuidado. O terno servia muito bem. Mudou o repartido do cabelo um pouco mais para o lado, do mesmo modo que Dickie. - Marge, precisa compreender que eu não amo você – disse Tom para o espelho, imitando a voz de Dickie, a elevação do tom nas palavras mais enfáticas, o pequeno ruído na garganta no fim das frases, que podia ser agradável ou não, íntimo ou frio, conforme o estado de espírito de Dickie. - Marge, pare com isso! – Tom voltou-se rapidamente, estendendo a mão no ar, como se agarrasse a garganta da moça. Sacudiu-a, torceu-a, enquanto ela caía, caía, até deixá-la inanimada no chão. Ele ofegava. Passou a mão pela testa, do mesmo modo que Dickie, procurou um lenço e, não achando, tirou um da gaveta de cima da cômoda e voltou para o espelho. Até os lábios entreabertos pareciam os de Dickie quando ficavam sem fôlego depois de nadar, um pouco repuxados sobre os dentes. - Sabe por que tive de fazer isso – disse, ainda ofegante, dirigindo-se a Marge, embora continuasse olhando para a própria imagem no espelho – Você estava interferindo entre Tom e eu... Não, não é isso! Mas existe uma ligação entre nós dois! Voltou-se, ergueu a perna para não pisar no corpo imaginário e foi sorrateiramente até a janela. Para além da curva da estrada, avistava vagamente os degraus que levavam à casa da Marge. Dickie não se achava na escada ou em qualquer parte da estrada. Talvez estivessem na cama, juntos, pensou Tom com um aperto mais forte na garganta, uma sensação de repulsa. Imaginou a intimidade dos dois como desajeitada, inexperiente e insatisfatória para Dickie e perfeita para Marge. Ela gostaria, mesmo que Dickie a torturasse! Foi apressadamente até o armário, outra vez, e apanhou um chapéu da prateleira superior. Era um chapéu tirolês verde com uma larga fita verde e vermelha. Colocou-o meio de lado na cabeça. Surpreendeu-se com a semelhança: era igualzinho a Dickie, com a cabeça assim coberta. Na verdade, só o cabelo escuro era diferente. Quanto ao resto, o nariz – pelo menos a forma dele – o queixo estreito, as sobrancelhas, se as conservasse assim retas... - O que é que você está fazendo? Tom girou o corpo rapidamente. Dickie estava na porta. Tom compreendeu que ele devia estar no portão quando olhou pela janela. - Oh, só me distraindo – disse Tom com a voz profunda que usava sempre que ficava embaraçado. – Sinto muito, Dickie. A boca de Dickie abriu-se um pouco e tornou a se fechar, como se a raiva tornasse as palavras espessas demais para serem pronunciadas. Entrou no quarto. - Dickie, sinto muito se isso... A batida violenta da porta o interrompeu. Dickie começou a desabotoar a camisa, a testa franzida, como se Tom não estivesse presente, pois aquele era o seu quarto – o que Tom estava fazendo ali? Tom ficou petrificado de medo. - Gostaria que tirasse as minhas roupas – disse Dickie. Tom começou a se despir, os dedos trêmulos de mortificação, chocado, porque até aquele momento Dickie sempre oferecera suas roupas. Agora, nunca mais faria isso. Dickie olhou para os pés de Tom: - Sapatos também? Você está louco? - Não. – Tom tentou controlar-se enquanto pendurava o terno no cabide; então perguntou: - Fez as pazes com Marge? - Marge e eu estamos muito bem – Dickie respondeu secamente, excluindo Tom da convivência dos dois – Quero dizer outra coisa, e quero que fique bem claro – falou, olhando para Tom. – Eu não sou bicha. Não sei o que você pensa a esse respeito. - Bicha? – Tom sorriu amarelo. – Nunca pensei que você fosse bicha. Dickie começou a dizer mais alguma coisa, mas não continuou. Endireitou o corpo, as costelas aparecendo no peito queimado: - Bem, Marge pensa que você é. - Por quê? – Tom sentiu o sangue desaparecer do seu rosto. Tirou o segundo pé do sapato lentamente e guardou o par no armário. – Por que ela ia pensar uma coisa dessas? O que foi que eu fiz? – Sentia como se fosse desmaiar. Ninguém nunca lhe dissera isso assim diretamente, não daquele momento. - É o seu jeito – Dickie respondeu em tom de resmungo e saiu do quarto. Tom vestiu apressadamente as bermudas. Ficara meio escondido de Dickie atrás da porta do armário, embora estivesse de cuecas. Pensava: só porque Dickie gostava dele, Marge fizera essa acusação suja. E Dickie não tivera coragem de enfrentá-la e negar tudo! Desceu e encontrou Dickie preparando uma bebida no bar do terraço. - Dickie, quero que tudo fique claro – começou Tom – Também não sou bicha, e não quero que ninguém pense isso de mim. - Está bem – resmungou Dickie.” (Trecho de “O Talentoso Ripley”, de Patricia Highsmith. Capítulo 10.)
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A cara de pau do Ripley em vestir a roupa do cara, a Marge ta mais ligada nele do que o Dickie
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Ai queria tanto morar no interior da Itália fazendo nada :(
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a dinâmica entre o ripley e o dickie está muito boa de assistir, a química entre os atores funcionou muito bem
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Constrangedor demais...mano....não kkkkk
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