Eu concordo contigo sobre o protagonismo da cidade, mas isso foi sempre uma das coisas que mais me impressionou nos trabalhos do Simon, essa meneira de criar algo tão peculiar, onde todos os personagens são desenvolvidos através de um local, cultura, etc, e neste caso, nada melhor que New Orleans pós Katrina.

Sim, a cidade simoniana é algo único no meio audiovisual. Mas é que Treme não tem o mesmo poder catártico de The Wire (tem um trecho do livro 'Homens Difíceis' que aborda isso) nesse início, os personagens não são tão carismáticos... A gente que já viu TW e conhece todo o viés sociológico da obra simoniana tem mais paciência com a série, mas a verdade é que Treme falha como entretenimento nesses primeiros episódios.

... mas no final da temporada você já está imerso naquele universo.

Vou de textão aqui huahauhau.

Pessoalmente, acho que esse estilo de narrativa do Simon é um ótimo sacrifício no curto prazo para compensação no longo prazo.

No início (em todas as séries/minisséries dele que vi) é bem difícil de acompanhar porque você é jogado num universo de diversos personagens de importância parecida, com muitos núcleos muito diferentes uns dos outros. Tudo isso numa narrativa cronológica fragmentada. Então é comum ver cenas incrivelmente curtas de 20-30 segundos inseridas do nada e que não parecem ter um sentido que não manter a ordem cronológica das coisas. Não é convencional.

Creio que essas coisas realmente afastam público, mas no longo prazo, depois que nos familiarizamos com as personagens e "engatamos" em cada núcleo, fica MUITO GOSTOSO de assistir.

Em The Wire senti que avançando em cada temporada a experiência de assistir ia ficando sempre mais prazerosa, mesmo que a 1ª temporada não deva em nada às demais. Tô achando que vou ter essa experiência também em Treme.

Até compartilho com vocês que ano passado, pensando nisso, fiz um experimento de rever The Wire, só que começando pela 2ª temporada, indo até a 5ª e depois encerrando com a 1ª. Incrível como a experiência de ver a temporada inicial por último foi muito melhor do que da primeira vez, justamente por já estar afiado no universo da série.

Enfim, mais do que nunca me deu vontade de reler Homens Difíceis hehehe.

Então, eu gosto bastante de Treme, acho que ela tem realmente uma pegada diferente de The Wire, que é mais um crime show e acaba tendo até uns momentos que se aproxima de um thriller (mesmo o Simon subvertendo muito da estrutura de drama policial pra criar um gênero quase novo de drama urbano).

Treme também é um drama urbano mas com um ritmo e uma proposta bem diferente. O foco aqui tá muito mais na cena cultural da cidade por exemplo do que na parte mais criminal, talvez seja mais próxima de Mad Men nesse sentido.

Ainda assim, acho que essa S01 acaba tendo uma dificuldade maior de criar personagens envolventes, aquela conexão emocional que pelo menos comigo já aconteceu no primeiro episódio de The Wire (e em The Deuce e This is America também). Mas que também acaba não funcionando tão bem na segunda temporada. Mesmo que tenha sido uma proposta mega ousada que fez The Wire ser o que é hoje.

Ótimo comentário cara, como sempre.

Sobre o último ponto, até fiz piada no meu comentário do episódio anterior sobre o músico de rua da série, pois ele é tão babaca que automaticamente se torna um dos melhores e mais interessantes personagens de Treme, ainda mais sabendo o modus operandi do Simon hehehe.